sexta-feira, 28 de outubro de 2011

RESENHA DO LIVRO - PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: SABERES NECESSÁRIOS A PRÁTICA EDUCATIVA


Desde o ínicio do livro de Paulo Freire, o autor nos mostra sobre o que seu livro abordará em seu conteúdo, assim diz o autor a respeito da temática de seu livro:

“A questão da formação docente ao lado da reflexão sobre a prática educativo-progressiva em favor da autonomia do ser dos educandos é a temática central em torno de que gira este texto. Temática a que se incorpora a análise de saberes fundamentais àquela prática e aos quais espero que o leitor crítico acrescente alguns que me tenham escapado ou cuja importância não tenha percebido.” (FREIRE, 1996)

O foco em formação docente, com uma reflexão sobre a prática educativa buscando a autonomia de seus alunos, esta é a temática apresentada durante todo o decorrer do livro, acrescentando e relembrando assuntos já abordados pelo autor, durante os três capítulos do livro.
Segundo o autor existem alguns saberes que são indispensáveis a prática educativa, saberes esses que sem eles não é possível ao educador trabalhar de forma coerente em seus discursos.

“É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o principio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se com sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.” (FREIRE, 1996)

Como podemos observar no trecho do livro apresentado, um destes saberes é que desde o ínicio de sua formação, entendamos que somos parte de formação e construção do conhecimento, que não somos meros espectadores do processo e também não somos como um banco de dados onde tudo será depositado, sendo posteriormente acessado e consultado conforme a necessidade apresentada. Somos parte primordial da construção do conhecimento e para isso necessitamos de uma formação significativa, onde o conhecimento seja construido de acordo com necessidades apresentadas, sendo constantemente alterado, complementado e adaptado, de acordo com os alunos e as situações que são apresentadas durante a construção do mesmo.
A construção deste conhecimento, desta experiência de forma significativa, não pode partir de outro modo a não ser pela curiosidade, a qual muitas vezes ingênua, cabendo a nós o insentivo a transformação da mesma em epistemológica.

“Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer e o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.” (FREIRE, 1996)

O ensino e a pesquisa, a indagação, a constatação, a intervenção e em seguida a educação, processo pelo qual passamos dentro da aprendizagem e do ensino, este deve partir sempre a partir da curiosidade, sentimento o qual precisa ser instigado pelo educador, causando um incomodo aos educandos para que os mesmos, ao se sentirem neste ponto possam buscar resolvê-lo, construindo o conhecimento de forma que não seja em vão o trabalho, mas sim partindo de sí a vontade em construí-lo.
Outra maneira para que o ensino seja significativo aos educandos, é que possamos inserir os conteúdos a realidade dos mesmos, como podemos ver na afirmação do autor a seguir.

“Porque não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Porque não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Porque não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes elas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferí-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.” (FREIRE, 1996)

Sendo assim, posterior a estas indagações feitas pelo autor, somente nos resta a reflexão sobre elas, nos indagando sobre o quão melhor seria o ensino se os conteúdos fossem associados as práticas diárias dos educandos e da comunidade onde se encontram inseridos, onde os mesmos pudessem visualizar os conteúdos trabalhados em sala dentro do seu cotidiano, ou dentro do cotidiano de seus familiares.
Outro aspecto que pode nos ajudar sobre esta questão sobre a prática docente de forma significativa, nos remete ao pensamento crítico, a formação de cidadãos, pessoas que questionem e intervenham, constantemente apresentado em documentos relacionados a educação, o autor nos apresenta a seguinte afirmação:

“O pensar certo sabe, por exemplo, que não é partir dele como um dado dado, que se conforma a prática docente crítica, mas também que sem ele não se funda aquela. A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer.” (FREIRE, 1996)

Logo, não cabe somente o “filosofar sobre”, ou somente o “fazer” dentro do processo de aprendizagem, precisamos conciliar nosso discurso e nossa prática, pensar sobre o fazer, repensar e refazer, criar um processo natural em relacionar ambos, não dicotomizando os saberes.

“Não posso apenas falar bonito sobre as razões ontológicas, epistemológicas e políticas da Teoria. O meu discurso sobre a Teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria. Sua encarnação. Ao falar da construção do conhecimento, criticando a sua extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a construção, estar envolvendo os alunos.” (FREIRE, 1996)

Enquanto educador, instigador da busca pelo conhecimento, precisamos despertar a vontade ao aluno em participar deste conhecimento, não sendo somente um “detentor” do mesmo, mas como um participante, atuante e muitas vezes representante deste conhecimento, não sendo somente um novo conhecimento, mas utilizando-se dele e vivenciando-o em suas práticas.
Ainda no aspecto sobre o viver e participar do conhecimento adquirido, como sendo um objeto de transformação constante mediante aquilo que é incorporado, diante da afirmação de que o conhecimento adquirido transforma o que somos, vemos a seguinte colocação do autor:

“A vida no suporte não implica a linguagem nem a postura ereta que permitiu a liberação das mãos. Mãos que, em grande medida, nos fizeram. Quanto maior se foi tornando a solidariedade entre mentes e mãos, tanto mais o suporte foi virando mundo e a vida, existência. O suporte veio fazendo-se mundo e a vida, existência, na proporção que o corpo humano vira corpo consciente, captador, apreendedor, transformador, criador de beleza e não “espaço” vazio a ser enchido por conteúdos.” (FREIRE, 1996)

Podemos afirmar assim que a nossa capacidade de participar e intervir no mundo está sempre relacionado ao nosso conhecimento, seja este adquirido de forma convencional - no ambiente escolar - ou informal - em casa, internet, ou qualquer outra forma de aquisição de conhecimentos - mas sempre relacionado a este conhecimento e, também a nossa capacidade de relacioná-los aos diversos acontecimentos de nossa vida.
Um aspecto importante remetente ao professor é quando nos deparamos sobre a autoridade do mesmo, muitas vezes confundidas com autoritarismo - imposição de regras, limitador da liberdade, ditatorial - porém não tendo o mesmo significado, o autor apresenta esta realidade de forma esclarecedora.

“Creio que uma das qualidades essenciais que a autoridade docente democrática deve revelar em suas relações com as liberdades dos alunos é a segurança em si mesma. É a segurança que se expressa na firmeza com quem atua, com que decide, com que respeita as liberdades, com que discuti suas próprias posições, com que aceita rever-se.” (FREIRE, 1996)

Como podemos ver a autoridade está muito mais relacionada à prática educativa, a vivência e domínio do conhecimento do que com a imposição de regras e sistemas de controle comportamental do professor em relação aos alunos. O professor quando obtém a postura da autoridade pelo ensino, pela curiosidade e pelo viver aquilo que discursa, depara-se com o respeito e vontade dos educandos em compartilhar com ele de seus conhecimentos e desejos, como podemos ver nas palavras de Freire abaixo:

“Não posso ser professor sem me por diante dos alunos, sem revelar com facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente. Não posso escapar à apreciação dos alunos. E a maneira como eles me percebem tem importância capital para o meu desempenho. Daí, então, que uma de minhas preocupações centrais deva ser a de procurar a aproximação cada vez maior entre o que digo e o que faço, entre o que pareço ser o que realmente estou sendo.” (FREIRE, 1996)

A ideia é reforçada juntamente com o aspecto da aprendizagem significativa, com a vivência, com tudo o que já foi dito a respeito da aprendizagem para a vida, para a aplicação e incorporação do conhecimento, como objeto para intervir no mundo, logo a prática do professor é o espelho ao educando, onde tudo o que for dito poderá ou não ser visualizado pelos mesmos, de forma positiva ou não. Remetendo assim a importância do discurso coeso entre o falar e o praticar de quem está a frente.
O compromisso firmado dentro da escolha em se tornar um educando é muito maior do que a transmissão do conhecimento, remetendo-nos a um lado que transcende o conceitual, trazendo-nos para o afetivo e social do ato de lecionar.

“Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e "cinzento" me ponha nas minhas relações com os alunos, no trato dos objetos cognoscíveis que devo ensinar. A afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. O que não posso obviamente permitir é que minha afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no exercício de minha autoridade” (FREIRE, 1996)

Mediar este aprendizado não é uma tarefa de extremos, não cabe sermos somente técnicos, nem tão somente afetivos, é uma tarefa onde precisamos mediar um conhecimento de forma a considerar o aspecto sócio-afetivo e cognitivo de cada aluno, trabalhando de forma significativa para a construção do caráter  e conhecimento de mundo, onde os mesmo o levarão para a vida, formando e transformando pensamentos e atos de acordo com o que vivenciaram e incorporaram durante todo o seu trajeto acadêmico, ou em seu cotidiano fora da escola.

Referência Bibliográfica
FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA. São Paulo, Paz e Terra, 1996.

AUTOR: Proença, Lucas M., 10/2011