quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Cadernos Escolares: Aliado de quem?



Os cadernos tem sua principal utilização no universo escolar, sendo uma ferramenta didática para organização de ações e relações no contexto de ensino. Pois por mais que os vejamos com outras finalidades em nosso cotidiano, normalmente somos inseridos neste universo quando começamos nossa escolarização.

“Para se utilizar os cadernos é preciso saber que há margens, nas quais nada deve ser escrito, que o preenchimento das folhas deve obedecer às sequências temporal e de realização das tarefas. Também devem ser aprendidas convenções de comunicação utilizadas por professores para indicar a avaliação das atividades realizadas. Assim sendo, a iniciação no uso dos cadernos prescinde a aprendizagem de um conjunto de regras, convenções e procedimentos.” (SANTOS, 2005, p.292)

À medida que utilizamos esta ferramenta, assim como qualquer outra, notamos que a mesma apresenta uma especificidade em seu manuseio e preenchimento, especificidade essa que precisa ser atendida para a melhor compreensão e visualização daquilo que está sendo registrado, para que fique clara sua leitura e interpretação posteriormente.

“Quem inventou a escrita inventou ao mesmo tempo as regras da alfabetização, ou seja, as regras que permitem ao leitor decifrar o que está escrito, entender como o sistema de escrita funciona e saber como usá-lo apropriadamente. A alfabetização é, pois, tão antiga quanto os sistemas de escrita. De certo modo, é a atividade escolar mais antiga da humanidade.” (CAGLIARI, 1998, p.12)

Assim como a especificidade da utilização do caderno, a escrita também apresenta suas regras e organizações para que tornem-se legíveis, assim como a conhecemos, independete do idioma em que está escrito, ou da forma como aparece, sabemos por meio dessa formalidade da representação dos códigos que existe uma informação representada pela escrita que está a ser passada a nós. Partindo deste princípio vemos em Ferreiro a seguinte colocação:

“Há crianças que chegam à escola sabendo que a escrita serve para escrever coisas inteligentes, divertidas ou importantes. Essas são as que terminam de alfabetizar-se na escola, mas começaram a alfabetizar muito antes, através da possibilidade de entrar em contato, de interagir com a língua escrita. Há outras crianças que necessitam da escola para apropriarse da escrita.” (FERREIRO, 1999, p.23)

Devido a essa singularidade dos alunos ao ingressarem na escola, precisamos ter consciência de que alguns alunos apresentarão maiores dificuldades, devido o pouco contato com a linguagem escrita, enquanto outros terão menores ou nenhuma dificuldade, muitas vezes estando praticamente alfabetizados ao adentrar no universo escolar. O que precisa ser observado e trabalhado pelo professor em relação a estes aspectos apresentados, é que por muitas vezes os alunos remetem-se tanto as normas do caderno quanto da escrita, que suas produções de textos ou suas contruções das hipóteses de escrita, tornam-se fracas, aparentando um baixo desempenho do aluno e portanto cabe ao professor criar ou utilizar-se de meios para facilitar a utilização desta ferramenta pedagógica, o caderno, para que o aluno atente-se somente ao que é realmente importante durante o processo de alfabetização.

“Os cadernos escolares são um dos recursos didáticos mais frequentemente utilizados nas escolas. De modo geral, nos anos iniciais de escolarização, servem especialmente a funções planejadas pelos docentes e nas séries mais avançadas passam a ter seu uso pelos alunos mais livre.” (SANTOS, 2005, p.293)

Como podemos observar, os cadernos principalmente nas séries iniciais são considerados muitas vezes pelos professores e alunos, como a única forma de registro e obtenção do conhecimento pragmático direcionado a esta etapa da escolarização. Com o passar dos anos escolares, vemos que os próprios alunos começam a compreender a utilização do caderno e, a cópia deixa de ser considerada o único meio de aprendizagem, passando a não dar importância a tudo que é passado na lousa, causando um certo desconforto aos professores que ficam em sua maioria, sem saber o que fazer. Dentro deste contexto vemos no PCN de língua portuguesa, uma proposta sobre a utilização do caderno de forma a contribuir para a produção da escrita dos alunos.

“As propostas de escrita mais produtivas são as que permitem aos alunos monitorarem sua própria produção, ao menos parcialmente. As escritas de listas ou quadrinhas que se sabe de cor permite, por exemplo, que a atividade seja realizada em grupo e que os alunos precisem se pôr de acordo sobre quantas e quais letras irão usar para escrever. Cabe ao professor que dirige a atividade escolher o texto a ser escrito e definir os parceiros em função do que sabe acerca do conhecimento que cada aluno tem sobre a escrita, bem como, orientar a busca de fontes de consulta, colocar questões que apóiem a análise e oferecer informação específica sempre que necessário.” (PCN - Língua Portuguesa, p. 84)

Podemos observar que por mais que o uso do caderno seja realmente direcionado pelo professor, o conteúdo designado a ser escrito nele, precisa partir do aluno, da construção que ele faz e dos significados que o aluno atribui a atividade proposta pelo professor, onde juntamente com seus parceiros, construirá suas hipóteses e ao mesmo tempo colocará à prova aquelas que já havia construido, a partir de uma dúvida, de um questionamento feito por alguém do seu grupo que tenha uma hipótese diferente sobre o mesmo assunto, fazendo do uso do caderno, um registro significativo, dentro de sua própria construção do conhecimento acerca da escrita.
Porém o que normalmente podemos observar dentro das escolas é que o caderno é utilizado como um meio de impôr disciplina à sala, como podemos ver na colocação de Foucault, quando afirma que ao termos o poder de observar sobre o aluno, constituimos um conhecimento sobre o aluno.

“O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar; um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem visíveis aqueles sobre quem se aplicam” (FOUCAULT, 1987, p.143)

Podemos ver isto muito fácilmente dentro do universo escolar, ao observar o caderno, onde o mesmo além do que já abordamos, serve também como um mecanismo de controle dos professores sobre os alunos, também da equipe gestora e dos pais, sobre os professores, sendo muitas vezes sua utilização muito mais importante por este motivo, do que necessáriamente pelo ponto de vista da ferramenta pedagógica. Vemos constantemente professores que preocupam-se muito mais com a aparência e com a cópia, do que com o conteúdo que está nele registrado, ou ainda com o conhecimento desenvolvido pelo aluno diante daquele registro. Outra colocação de Foucault a respeito da disciplina que podemos frequentemente visualizar dentro da maioria das escolas é que:

“Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda uma micropenalidade do tempo (atrasos, ausência, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da maneira de ser (grosseria, desobediência), dos discursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes “incorretas”, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência). Ao mesmo tempo é utilizada, a título de punição, toda uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve a privações ligeiras e a pequenas humilhações. Trata-se ao mesmo tempo de tornar penalizáveis as frações mais tênues da conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar.” (FOUCAULT, 2008, p.149)

Relembrando o modo como eram as escolas na época da ditadura, escolas rígidas, advertindo e penalizando toda e qualquer “indisciplina” que fosse apresentada, muitas vezes ainda sendo vivenciadas atualmente em escolas, não necessáriamente com punições físicas, porém com humilhações, castigos e até mesmo ameaças aos alunos.
Outro aspecto que pode ser considerado sobre a afirmação de Foulcault, é o de avalliação. Por meio do caderno, muitas vezes o professor pode visualizar algumas dificuldades, avanços e tentativas dos alunos, utilizando-se dos registros dos mesmos e também muitas vezes criar hipóteses sobre a personalidade dos alunos.
Conforme Santos(2005) afirma que os cadernos servem como um meio de comunicação entre a escola e a família, por serem materiais que não permanecem na escola, mas transitam juntamente com os alunos diariamente, transportando as informações, nos perguntamos sobre a real necessidade desta comunicação, onde normalmente somente são feitas críticas de ambos os lados, os pais questionando a abordagem da professora sobre o ensino e, a professora abordando sobre a educação familiar que está sendo passada ao aluno, não condizendo aos quais os papeis que lhes cabem.

“Alfabetizar letrando significa orientar a criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e de escrita: substituindo as tradicionais e artificiais cartilhas por livros, por revistas, por jornais, enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e criando situações que tornem necessárias e significativas práticas de produção de textos.” (SOARES, 2000)

Como vemos acima a alfabetização e o letramento, inseparáveis em sua teoria, por conta de como os bilhetes utilizados pelos professores e pelos pais, criam uma atmosfera negativa ao uso da linguaguem, ao invés do professor utilizar-se de diversas ferramentas, métodos e gêneros como citado acima por Soares, para trazer as crianças uma experiência significativa positiva, trazem uma experiência negativa. Ainda que desta forma podemos ver por um lado positivo no qual os documentos apontam que:

“Para os alunos não acostumados com a participação em atos de leitura, que não conhecem o calor que possui, é fundamental ver seu professor envolvido com a leitura e com o que conquista por meio dela. Ver alguém seduzido pelo que faz pode despertar o desejo de fazer também.” (PCN - Língua Portuguesa, p. 58).

Sendo assim, por mais que não seja a melhor prática do professor, mas muitas vezes o que vemos na escola, por parte dos professores, essa é a única forma real de leitura e escrita que o professor desenvolve dentro da sala de aula, exceto claro as leituras de atividades e dos livros didáticos para execução das atividades.

Após todos os apontamentos realizados Santos afirma que:

“São importantes instrumentos de registro que podem revelar sobre o aluno, a escola e as relações que se dão em torno da escolarização. Mas, cujas informações podem conduzir à formulação de hipóteses errôneas sobre aqueles que participam de sua materialização enquanto registros, especialmente quando compreendidas apartadas do contexto em que são produzidas.” (SANTOS, 2005, p.302)

Entendemos por esta afirmação que os cadernos são muito importantes para contextualizar a quem quer que os leia, a respeito da escola, do ensino e do aluno onde os mesmos estão inseridos. Porém sem a devida contextualização da sociedade, da cultura e de todo o enredo que rege a determinada sociedade, podem-se tirar conclusões que sejam total ou parcialmente erradas em relação a realidade dos fatos relatados no caderno. Pois muitas vezes podemos nos deparar com cadernos extremamente bem trabalhados, com escritas bem feitas, com um aparente bom trabalho realizado e na verdade nos depararmos com um aluno que seja somente copista e, que na verdade não sabe sequer o que está escrito no caderno, nos mostrando uma realidade oposta a que aparentava o caderno, ou talvez um caderno onde talvez não haja muitas escritas, nem que seja tão bem estruturado mas que os alunos na realidade sejam parcialmente letrados e cem por cento alfabetizados. Sendo assim, cabe ao professor escolher o critério que utilizará para adequar suas aulas, seus alunos e suas estratégias ao uso desta ferramenta, o caderno.
Referências Bibliográficas

CAGLIARI, Luiz Carlos – ALFABETIZANDO SEM O BÁ-BÉ-BI-BÓ-BU - São Paulo, Scipione, 1998.
FERREIRO, Emilia. COM TODAS AS LETRAS. São Paulo: Cortez, 1999.
FOUCAULT, Michel – VIGIAR E PUNIR: NASCIMENTO DA PRISÃO – Tradução Raquel Ramalhete, Petrópolis: Vozes, 1987, ed.32.
FOUCAULT, Michel. VIGIAR E PUNIR: NASCIMENTO DA PRISÃO. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, ed.35.
MEC. Parâmetros curriculares nacionais: LÍNGUA PORTUGUESA. Brasília, 2001.
SANTOS, Anabela A. C.; SOUZA, Marilene P. R. – CADERNOS ESCOLARES: COMO E O QUE SE REGISTRA NO CONTEXTO ESCOLAR? – São Paulo, 2005, vol.9, nº2.
SOARES, Magda Becker – LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO: AS MUITAS FACETAS – Disponível em:

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